terça-feira, 2 de abril de 2013

Conciliando a maternidade e a depressão


Tenho depressão diagnosticada desde meus onze, doze anos. Recebi o diagnóstico meses depois da morte do meu avô, que ocorreu em agosto de 2003 [e, curiosamente, ele teve o derrame que o matou no dia em que o Bernardo nasceu, dia 17 de agosto], e passei anos fazendo terapia, tomando antidepressivos, e cheguei a achar que eu melhoraria totalmente um dia.

Eu faço este post especialmente para meus amigos que, assim como eu, são depressivos. Quem não é ou nunca foi assim diagnosticado tende a menosprezar o problema, como se fosse uma desculpa para não se fazer nada da vida, uma desculpa para ser inútil. Só tendo para saber que, quando se trata de depressão, nós não somos, como pacientes, um problema, mas temos um problema. Eu vivo cercada por gente que quer falar de preconceitos, que vivem me falando que eu sou oprimida por ser mulher, por ser gorda, por ser bissexual, mas eu digo que nunca sofri realmente por causa dessas coisas. Mas como sofri por causa da depressão...

Estudei por dez anos num dos maiores colégios de São Paulo, o Dante Alighieri, e o detesto profundamente até hoje. Não digo que absolutamente todo mundo era assim, mas garanto que a esmagadora maioria era de filhinhos de papai que viviam num mundo pré-Gossip Girl que queriam de qualquer maneira ser cool e um nome conhecido na escola. Quando eu estava na quinta série, minhas amigas e eu ainda brincávamos de pega-pega no intervalo, e tinha um bocado de meninas da minha sala falando de caras como se fossem mulheres adultas, falando do carinha que beijariam na próxima festa de alguém da turma, e que tratavam nós, as "esquisitas", como se fôssemos pragas. Quando meu avô morreu, eu fazia aulas preparatórias para a primeira comunhão, e a professora chegou a fazer uma roda de orações por ele. Eu achava que assim receberia apoio dos meus colegas, maaas... não. Eu consegui mais um motivo para ser zoada. Eu era a esquisita [mais, né, porque já era a gordinha nerd e bolsista da sala] que tinha um avô morto. E quando comecei a fazer terapia, não sei quanto tempo depois, eu era a louca.

Não me perguntaram se eu estava bem, nem perderam tempo tentando entender a minha situação. Simplesmente começaram a me tratar por louca, como se eu estivesse indo à terapia por ser uma psicopata, uma maníaca ou sei lá o quê. Conforme a depressão ia se instalando, com cada vez menos apoio, fui deixando de lado a vontade de fazer qualquer coisa. Sempre fui uma ótima estudante, mas a partir da sexta série eu não me empenhava mais. Eu perdi o interesse nas coisas, e fui me afundando cada vez mais em livros e internet. Não me agradava mais o contato com outras pessoas. Em casa, estava todo mundo ocupado demais com a chegada do meu irmão mais novo, e ninguém se dava o trabalho de perguntar se tava tudo bem, porque eu ia pra terapia e supostamente isso bastava. Ao invés de ter um problema, aos olhos dos outros eu era um problema. Afinal é muito mais fácil falar assim, não?

Depois de finalmente conseguir fazer minha mãe me tirar daquela m*rda de colégio [porque ela achava lindo falar que as filhas estudavam em colégio tradicional, mesmo que para isso tivéssemos bolsa de estudos há anos e eu odiasse cada segundo naquele lugar], fui para um outro muito mais mente aberta, onde começar do zero para mim foi uma maravilha. Eu não era diferente ali por não poder passar minhas férias em Nova Iorque, nem por ser bissexual [e quando entrei nesse colégio eu tinha acabado de terminar com a minha ex], nem por fazer terapia. Inclusive conheci muita gente justamente por essas particularidades. Muitos amigos que eu fiz iam ao psicólogo, ficavam com gente do mesmo sexo, tinham problemas ao invés de bancar os perfeitinhos. É claro que gente pedante existe em todo lugar, mas aqui era mais facilmente ignorável.

Contudo, minha depressão não sumiu nessa época. Enquanto minha vida na escola deixava de ser um problema, e eu fazia amigos nela e fora, a situação em casa piorou. Nunca tive uma relação boa com a minha mãe, e nem nunca vou ter, provavelmente. Mas foi então que as humilhações pioraram. Ela nunca me tolerou da maneira que eu sou, e ela foi mais uma que subestimou a minha doença. Para ela, deveria bastar me enfiar numa terapia e nem tocar mais no assunto. Além disso, eu me tornei a vagabunda, a maldita, a desgraçada, e por aí vai... é muito fácil falar que ama um filho, o difícil é realmente se importar, estar do lado quando as coisas estão complicadas. E nisso descobri as drogas, comecei a beber todo fim de semana, isso quando não durante a mesma. E onde estava minha mãe? Me ignorando, como sempre.

Parei a terapia com uns dezessete anos, antes de terminar o colégio. Pensei em voltar durante a faculdade, mas não podia bancar em particular e não gostava muito do projeto na faculdade de Psicologia ali. Então abandonei a ideia de voltar de uma vez, mas continuei tomando meu antidepressivo.

Eu tive poucas crises por causa da depressão durante esses anos, mas todas, para mim, tiveram certa seriedade, e todas me marcaram. A primeira foi quando eu tinha uns quinze anos, que tomei alguns calmantes, fiquei grogue, e minha mãe me levou ao hospital. Enquanto isso, ela mandou o maridinho dela e minha irmã lerem meu diário pra saber o que tinha acontecido, viram, e ela me ridicularizou, como se aquilo tivesse sido só uma birra sem motivo, nem quis saber o que tinha me acontecido. Depois disso, passei a me cortar. Tinha visto uma amiga de colégio achar alívio naquilo, e tentei também. Não aconselho a ninguém isso, porque a sensação é viciante. Ao mesmo tempo que dá um alívio momentâneo, aos poucos se torna uma necessidade sentir dor. Você acaba trocando a psicológica pela física, e isso está longe de ser uma solução.

A segunda crise foi pouco antes de engravidar. Eu tive um problema muito grave com cocaína, e no auge cheguei a usar três vezes no mínimo por semana. Deixava de comer para cheirar. As festas só valiam a pena se eu convencia alguém a dividir um pino comigo. Quando resolvi parar, depois de dois grandes amigos meus me dizerem que eu tinha mudado por causa da droga e me fazerem notar que aquilo estava já afetando os outros ao meu redor, eu tive uma crise. Eu tive um acesso de choro incontrolável, de pânico, quebrei meu quarto todo e, antes que eu visse, eu tinha passado um estilete mais de trinta vezes no braço, ainda que soubesse, pelo cutting de anos antes, que aquilo não resolveria nada. Quando vi que não podia ficar sozinha, corri para a casa desses amigos. Foi a única vez em anos que ela foi mãe e não juíza.

Quando engravidei, logo meu medo foi de entrar em uma depressão profunda de novo. Como não tive uma gravidez tranquila psicologicamente, chorei muito no final com medo de entrar em depressão pós-parto e ser incapaz de cuidar do Bernardo. Eu tinha pavor de não poder ser mãe como eu queria. Tinha pavor de que eu poderia negligenciar meu filho, de não dar o amor de que ele precisaria. E depois que ele nasceu, o medo continuou enorme. Eu tinha medo de não aguentar o tranco, de não conseguir lidar com todas as tarefas como mãe [e ainda solteira], de deixá-lo passar por algum tipo de necessidade não-atendida.

Eu tive muitas crises de choro desde que o Be nasceu, fossem de amor ou de angústia. Tenho momentos em que olho para ele e me acabo de tanto chorar só de notar o quanto o amo, e como ele depende de que eu evite errar. E, sabendo que tenho algo sempre me empurrando para baixo, o pavor de falhar com ele também é imenso. Eu queria ter a segurança de que eu nunca o deixaria sofrer por erros meus, mas não tenho, e isso me consome a cada segundo. Acho que é só pelo Be que ainda não afundei na depressão de novo. Ele é uma lanterninha que me impede de ficar totalmente no escuro. E ainda assim ele precisa que eu sempre ache uma pilha para alimentá-lo. Assim como ele depende de mim, eu dependo dele. Isso é amor.

E minha salvação, espero.

Ser mãe e estar novamente em terapia por conta da depressão me dá muitas sensações diferentes. Ao mesmo tempo em que me sinto forte por estar me tratando novamente, sinto uma pressão sobre os ombros o tempo todo. Eu não posso falhar, porque não é mais só a minha vida que depende da minha força. Eu tenho um motivo muito maior do que tudo mundo, pelo qual eu preciso ficar bem. Não é mais só questão de vencer a depressão para ser uma pessoa mais feliz, mas para ser uma mãe melhor.

4 comentários:

  1. Nossa Lau de todos os seus post, esse definitivamente me fez chorar =/.

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  2. lau, a cada post vc m surpreende mais.....vc eh um ser extraordinario, nao tnha duvidas....by bruninha maia

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  3. Lau sinceramente e impossível nao ler seu post até o fim.
    Acho que sua vida daria um ótimo livro de auto ajuda.
    Sua superação, seu amor pelo Bernardo contagia, vc e uma ótima mãe e um exemplo que querendo se consegue chegar longe.

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  4. Lau
    Honestamente não falo com você desde sua saída do Dante, não conheço seu filho e nem o caminho que você percorreu esses anos.
    Mais eu conhecia a menina esquisita que desenhava pra caralho e que tive uma amizade no ensino fundamental.
    Ter medo não te torna alguém fraca, te torna alguém mais forte. Com o medo vem a noção da responsabilidade que uma nova vida traz, e tenho certeza quando digo, que isso só te fará uma pessoa melhor e ,acima de tudo, em uma mãe maravilhosa!
    By Giovanna Vitorio de Souza , que conheceu uma menina esquisita no colégio.

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